Lembro quando eu era moleque 1992, o rádio AM do pai falava de jogo a jogo, de cada lance como se fosse religião. O pai, de voz grossa, dizia “cê tem que acreditar no Timão, filho”. Eu não entendia direito, mas sentia o peso da palavra “Timão” no peito. Quando o Jacaré apareceu nas categorias de base, eu nem sabia quem era, só via aquele nome no mural da academia, escrito com giz branco, como se fosse um presságio
A primeira vez que vi o garoto treinar, ele corria como se o gramado fosse fogo e ele fosse o único que podia apagar. A bola grudava nos pés dele como se fosse parte da pele. Eu lembro de estar no ônibus lotado, indo de Itaquera pra São Paulo depois de um clássico, e de repente o garoto apareceu num vídeo no YouTube, sem áudio, só o som da bola batendo no chão. O som me lembrou o chiado da rádio do pai e eu pensei “é isso, é o futuro”
➤ Memória de Itaquera, lanche na padaria e superstição
Tava eu, sem grana, mas com vontade de estar perto do estádio. A gente juntava trocados, comprava um ingresso barato, às vezes só pra ficar na porta, sentir o cheiro de churrasco da barraquinha e ouvir a cantoria da torcida. Uma noite, depois de um 0 a 0 contra o São Paulo, eu e o Beto, que tinha o hábito de comer pastel de carne na padaria da esquina, entramos na padaria de madrugada. O padeiro, de bigode grosso, sempre nos dava um café forte “pra não dormir”. Eu tomava o café, mas a gente ainda falava do jogo, do gol que não veio, e do sonho de ver o time levantar a taça
Uma superstição que eu tinha, e que ninguém entende, era colocar um grão de arroz na sola do sapato antes de cada jogo. Eu achava que o arroz trazia “paz” pro campo, tipo um amuleto. Quando o Jacaré marcou seu primeiro gol na base, eu joguei o arroz no chão do meu quarto, como se fosse um sacrifício. Não sei se isso mudou alguma coisa, mas a sensação de esperança ficou mais forte
➤ O que a renovação significa pra quem respira Corinthians
A notícia de que o Jacaré firmou contrato com o Corinthians me fez lembrar de todas as vezes que eu, de pé, gritei “É Corinthians!” na rua, mesmo sem ter dinheiro pra comprar a camisa. Cada renovação, cada contrato, não é só papel; é promessa de que o sangue que corre nas veias da gente não vai secar. É como se o Timão fosse um velho amigo que nunca te abandona, mesmo quando a vida te joga fora da zona
Quando eu penso no futuro, vejo o Jacaré crescendo, evoluindo, virando ídolo. Eu imagino ele, daqui a dez anos, sentado na arquibancada ao meu lado, contando histórias de como foi o primeiro gol, como ele se escondeu na sombra da arquibancada pra fugir da chuva, como o pai dele também escutava rádio AM. Eu vejo a gente, velho, ainda gritando “Vai, Timão!” como se a voz nunca envelhecesse
Nota: outro dia, enquanto esperava o ônibus lotado pra ir ao treino de futsal no parque, lembrei de um lanche que comi na padaria da esquina, pão de queijo quente, e pensei que o sabor daquele queijo lembra o cheiro da grama do estádio. Não tem lógica, mas parece que mistura quando a emoção aperta
A internet ainda tá lenta, a página não carrega direito, mas a notícia já tá gravada na memória. Cada clique, cada “refresh”, era como se eu estivesse batendo na porta do estádio, tentando entrar. Quando o “Renovado!” apareceu, foi como se a porta se abrisse de repente, deixando entrar o sol da manhã, o som da torcida, o cheiro de churrasco da barraquinha
Eu não consigo parar de pensar no futuro, mas também não consigo deixar de viver o presente. O Jacaré vai jogar, vai errar, vai marcar, vai cair e levantar. A gente vai estar lá, gritando, chorando, comemorando, como sempre fizemos. O Timão é mais que clube, é família, é história, é a gente que não tem nada a perder, só a vontade de ser feliz
E assim, com o café frio ainda na mesa, a internet piscando e a cabeça cheia de lembranças, eu deixo esse desabafo solto, como quem abre o coração na madrugada. Que o Jacaré continue a nos dar motivos pra cantar, pra acreditar, pra viver cada segundo como se fosse o último grito de gol. Vai, Timão!
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