Acordei às 5 h porque a partida começava às 7 h e eu queria tempo pra fazer um café forte, carregar o celular e talvez correr um trote rápido. O trote nunca rolou; a chuva no Rio transformou a rua num rio e eu fiquei preso num engarrafamento que durou mais que o primeiro tempo. Quando finalmente virei a esquina do prédio, as luzes do estádio já estavam acesas e o rugido da torcida ecoava no corredor.
Entrei no apê apertado, arrei aberto e peguei o controle. Minha caneca de café, ainda meio cheia, tombou da beirada da mesa. O líquido quente se espalhou pelo tapete, formando uma mancha escura que parecia um mini rio num mapa do Brasil. xinguei, peguei um pano e tentei limpar enquanto a TV já mostrava a escala do Flamengo.
Os primeiros 15 minutos foram um borrão de barulho. O Táchira pressionou forte, o atacante deles testava nossa linha de trás e eu ouvia o vizinho de cima gritar “Silêncio!” a cada poucos minutos. Ele provavelmente brigava com a própria TV, mas a voz cortava a narração. Tentei ignorar, mas quando o comentarista citou um pênalti perdido, o grito do vizinho virou um berro sobre “café ruim”. Riu, porque naquele momento meu próprio café já era um caos.
Mandei um texto rápido pro João: “Flamengo 1‑0, tá assistindo?” O celular vibrou, a tela ficou preta e a bateria acabou. Fiquei olhando o aparelho morto, sentindo que tinha perdido uma peça crucial da partida. Não tinha carregador e a régua de energia da sala já estava ocupada pela TV, o roteador e uma lâmpada que piscava como árbitro nervoso. Forçei a mim mesmo a continuar assistindo, na esperança de que a bateria ressuscitasse magicamente.
➤ Segundo tempo – pressão, pânico e colher de sorte
Táchira saiu do intervalo com sede de vingança. Eles atacaram sem dó, forçando nossa defesa a se desorganizar. Sentia a tensão subir enquanto o relógio marcava 80 minutos. O lanche do intervalo, um pacote de amendoim salgado, tinha sumido; o que sobrou na mesa era uma fatia de pizza meio comida e um pote de pasta de amendoim que eu guardava pra “o momento certo”. Peguei uma colher direto do pote, deixando a pasta grudenta derreter na boca enquanto o jogo avançava.
Minha superstição entrou em ação: nunca piso na costura do tapete da sala antes de um jogo do Flamengo. Não sei por quê, mas sempre que faço isso o time leva gol. Coloquei os pés cuidadoso na parte lisa do carpete, torcendo pra que o ritual mantivesse o adversário à distância.
Por volta do 85º minuto, o meio‑campo do Táchira cobrou um escanteio de fora da área. A bola fez curva, a parede pulou e o chute acertou a trave. A torcida no estádio explodiu e o vizinho gritou “Isso é falta de jeito!” como se a bola tivesse acertado a própria cabeça. Apertei os punhos, sentindo a adrenalina subir. A voz do comentarista quebrou: “Flamengo sente a pressão, mas ainda tem chances”.
Então veio a curiosidade estranha que adoro jogar nos posts: o primeiro gol da Libertadores foi marcado por um zagueiro, não por atacante. Foi em 1960, e o zagueiro se chamava José “El Muro” González. Sussurrei isso pro quarto vazio, meio sério, meio brincadeira, porque precisava dizer algo enquanto a tensão aumentava.
No 89º minuto, nosso atacante driblou dois zagueiros e chutou da beira da área. A bola bateu na rede lateral, ricocheteou e chegou aos pés do meio‑campo, que finalizou. O estádio pirou, o vizinho começou a cantar “Mengo! Mengo!” a plenos pulmões, e eu vi a mancha de café no tapete virar bandeira de vitória na minha cabeça.
O árbitro apitou o fim e o placar ficou 2‑1 a nosso favor. Avançamos para a próxima fase e todo o prédio pareceu comemorar, até a senhora da terceira andar que costuma ficar na dela. Saltei, derramei mais pasta de amendoim no sofá e gritei “É nóis!” antes de perceber que o controle da TV tinha sumido. Passei dez minutos procurando debaixo das almofadas, enquanto meu celular finalmente reiniciava e mostrava a mensagem meio enviada pro João: “Flamengo ganhou!!!”
➤ Caos pós‑jogo – sobras de lanche e hábito estranho
Depois da partida, tentei limpar a bagunça de café, mas a mancha já tinha fixado. Peguei o pano, escorreguei numa fatia de pizza caída e quase caí na TV. O vizinho, ainda gritando, ofereceu‑se pra “passar pano” pra mim. Ele acabou sendo torcedor fanático do Flamengo também, o que fez a situação parecer um encontro espontâneo de fãs num corredor apertado.
Abri a geladeira procurando algo pra comemorar. Achei uma garrafa meio cheia de guaraná e um pacote de pão de queijo que estava lá desde a semana passada. Comi o pão de queijo frio, porque estou convencido que o sabor melhora depois de alguns dias. É um hábito estranho, mas funciona pra mim.
Mais tarde, navegando nas redes, vi um post que dizia “Táchira nunca vence uma partida de Libertadores depois de sofrer o primeiro gol”. Riu, porque parecia estatística inventada, mas lembrou as superstição que a gente coleciona como figurinha. Minha lista inclui: nunca usar camisa vermelha no dia de jogo (traz azar), sempre comer uma colher de pasta de amendoim antes do início (dá foco) e nunca pisar na costura do tapete (a que quase custou o gol).
Mesmo com a noite cheia de bebidas derramadas, baterias mortas e vizinhos gritando, ver o Flamengo superar a pressão valeu cada detalhe caótico. O time mostrou raça, os torcedores (até os do corredor) mostraram paixão, e aprendi que uma colher de pasta de amendoim pode ser um amuleto se você acreditar o bastante.
Então, se você tá lendo isso e pensa em assistir ao próximo jogo da Libertadores, lembre‑se: carregue o celular, tenha um pano à mão e talvez pule o trote se a chuva parecer um rio. O coração do Flamengo bate mais alto que engarrafamento ou café derramado, e é isso que nos faz continuar cantando, não importa o quão bagunçada fique a sala.
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