Quando o telefone tocou na manhã de 3 de setembro, eu ainda não tinha terminado o segundo café do dia. O apresentador da rádio local com a voz ainda cheia de “e aí galera”, anunciou que Azim tinha deixado o mundo. Na hora meu coração deu aquele salto que só acontece quando o placar vira 0‑0 nos últimos minutos. Não foi só a notícia; foi o som da palavra “Azim” ecoando nos corredores do Castelão, nos vestiários que eu costumava cruzar às pressas antes do treino.
Lembro de 2019, quando Azim apareceu na porta da sede com um sorriso que parecia ter sido pintado a óleo. Ele trouxe um saco de coxinhas de frango (aquelas de queijo duplo que só a padaria da esquina faz) e enquanto distribuía, falava sobre “cultura de luta”. Eu, então com 27 anos ainda acreditava que a única luta que importava era a do ataque contra a defesa. Azim, porém, me mostrou que a luta começa antes do apito nas decisões de contratar um técnico ou de reformar a arquibancada. Ele me contou que, quando era garoto, jogava futebol na rua de Mucuripe e sonhava ser comentarista. Aí, de repente, acabou virando presidente. Essa história ainda me faz rir porque ninguém nunca me contou que o futuro pode ser tão imprevisível quanto um drible de Zé Paulo.
Nota aleatória: Fortaleza tem três praias a menos de 10 km do centro. Se você não sabe dê uma volta por Iracema e descubra que o mar tem mais fãs que o próprio time.
➤ Lembranças que não cabem no placar
Azim não era só o homem de gravata que assinava contratos; ele era o cara que num domingo chuvoso de 2022 apareceu no nosso treino com um guarda-chuva azul e uma caixa de biscoitos de água e sal. “Biscoitos dão foco”, ele disse, enquanto distribuía. Eu ainda lembro do barulho da chuva batendo no telhado da academia, o cheiro de terra molhada e a sensação de que aquele momento tinha algo de sagrado. Ele me puxou de lado e falou: “Lembra quando a gente perdeu para o Ceará na final da Copa do Nordeste? Foi duro mas a gente aprendeu que a derrota também tem seu valor”. Naquele instante percebi que Azim via o futebol como uma lição de vida, não como um mero espetáculo.
Ele também tinha um hábito estranho: antes de cada reunião importante, ele sempre checava a previsão do tempo. “Se vai chover, a gente tem que ser mais rápido”, dizia. Eu nunca entendi bem mas comecei a levar a ideia a sério. Em 2024, antes da partida decisiva contra o Náutico, a previsão dizia sol, mas Azim trouxe um ventilador portátil. “O vento ajuda a refrescar a cabeça”, explicou e o time acabou vencendo por 2‑1. Se o vento não mudou o placar ao menos mudou a atmosfera da sala.
Dica pessoal: Para um café forte que não deixa a gente dormir na segunda-feira misture uma colher de chá de canela na água quente antes de colocar o pó. Funciona melhor que qualquer energia do estádio.
➤ O que fica depois do silêncio
A morte de Azim deixa um vazio que não se preenche com novos contratos ou com a troca de uniformes. O que fica são as histórias que ele espalhou, os detalhes que ele guardava como quem coleciona moedas raras. Eu lembro de um dia em 2021 quando o time estava em baixa e Azim decidiu organizar um torneio de futsal entre os funcionários da diretoria. Ele jogou como se fosse um garoto de 15 anos driblando o vice‑presidente que ainda usava gravata e gravata borboleta. O público aplaudiu e depois o presidente da CBF apareceu para tirar foto. Foi um desses momentos que a gente guarda no peito e que de alguma forma faz o clube respirar.
Azim e eu nascemos na mesma terça‑feira mas em anos diferentes. Coincidência? Talvez. Mas eu sempre achei que o universo tem um jeito de conectar pessoas que compartilham a mesma paixão. Quando eu vi o velório percebi que o Castelão estava mais vazio que nunca mas ao mesmo tempo cada corredor parecia cheio de ecos das risadas que Azim espalhou. O silêncio depois da partida não é só o fim de um jogo; ele é o começo de uma nova fase onde a gente tem que aprender a jogar sem ele.
Curiosidade inesperada: O mascote do Fortaleza, o Leão já foi usado como símbolo de protesto durante a ditadura militar. Hoje ele representa resistência e Azim sempre dizia que o leão não tem medo de nada nem do próprio rugido.
Não sei se essas palavras vão alcançar quem ainda sente o peso da camisa 10 na alma mas escrevi aqui enquanto o café esfriava e o relógio marcava 02:17 da madrugada. Talvez Azim ainda esteja debaixo do gramado observando cada chute cada lágrima cada canto dos torcedores. Talvez ele esteja no bar da esquina pedindo outra rodada de coxinhas rindo da gente que ainda tenta entender o que realmente importa num jogo.
Se tem uma coisa que aprendi com ele é que o futebol não termina quando o árbitro apita ele continua nas histórias que a gente conta nos cafés que a gente compartilha nas praias que a gente visita depois do treino. E enquanto houver alguém disposto a lembrar Azim nunca vai embora de verdade.
- Lucho, a venda que mexeu até o meu coração de Bahia - September 24, 2025
- Jorginho treina no campo e vira reforço para o Flamengo contra o Juventude - September 23, 2025
- Adeus, Azim: quando o passado bate à porta do Estádio Castelão - September 22, 2025